São Paulo – Alvo de busca e apreensão da Polícia Civil por suspeita de estelionato, nessa terça-feira (16/7), na capital paulista, a Associação dos Aposentados Mutualistas para Benefícios Coletivos (Ambec) faturou R$ 298 milhões com descontos feitos diretamente na folha de pagamento das aposentadorias do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) desde 2021, quando assinou um “acordo de cooperação técnica” com o órgão federal.
O montante coloca a Ambec no topo do ranking de arrecadação entre cerca de 30 entidades que tiveram autorização do INSS para aplicar descontos de mensalidade associativa direto dos benefícios pagos aos aposentados. Como revelou o Metrópoles em março, essas associações e sindicatos faturaram R$ 2 bilhões com a prática no período de ano, em meio a uma enxurrada de processos por descontos indevidos (sem autorização) movidos por aposentados.
Segundo dados de Diários Oficiais de Justiça, a Ambec é citada em mais de 14 mil processos judiciais. Em sua esmagadora maioria, os aposentados afirmam nunca terem se filiado à associação e, muitas vezes, sequer ouvido falar dela, mas foram surpreendidos, de uma hora para a outra, com descontos de R$ 45 todos os meses no contracheque do benefício, a título de mensalidade associativa.
A associação ganhou o direito de efetuar esses descontos porque firmou, em 2021, um acordo de cooperação técnica com o INSS que lhe permite cobrar mensalidade de aposentados filiados em troca de supostas vantagens em serviços de planos de saúde, odontológicos e até auxílio-funeral. Para isso, o aposentado deveria aceitar a filiação por escrito, o que milhares negam ter feito à Justiça.
Quando firmou o acordo com o INSS, a Ambec tinha apenas três filiados. Dados obtidos pelo Metrópoles mostram que, somente entre 2023 e 2024, a entidade saltou de 38 mil para 653 mil associados em meio à onda de processos pelos descontos indevidos. Isso garantiu um faturamento atual de mais de R$ 30 milhões por mês.
O crescimento exponencial do número de filiados revelado pela reportagem chamou a atenção de órgãos como a Controladoria-Geral da União (CGU), o Tribunal de Contas da União (TCU) e o próprio INSS.
Quando as investigações começaram, o TCU determinou o bloqueio de novos filiados e o número de associados da Ambec foi caindo. Em um julgamento no tribunal, o caso da associação foi chamado de “escabroso” pelo ministro Aroldo Cedraz, relator do processo. Mesmo assim, no último mês, ela ainda faturou R$ 25 milhões em descontos.
Na Justiça, a associação tem acumulado condenações para devolver e até indenizar aposentados por danos morais. Juízes têm considerado que a entidade sequer consegue provar que tem a assinatura de aposentados que reclamam dos descontos indevidos. Nos processos judiciais, a entidade não apresenta essas provas.
Quando muito, mostrou gravações de ligações telefônicas nas quais aposentados supostamente concordam com suas filiações. Segundo normas do INSS, isso não é permitido. Apenas a assinatura de uma ficha de inscrição com cópia do documento do filiado permite a entidades efetuarem esses descontos direto na folha de pagamento, ante de serem depositado na conta do segurado.
Parte dos aposentados ainda tem contestado a veracidade dos áudios, que são juntados aos processos sem apresentarem a data da ligação. A Justiça manteve diversas condenações, mesmo com uso desse material pela entidade.
Como mostrou o Metrópoles, a Ambec é uma entre três entidades que faturam com os descontos sobre aposentadorias e pertencem a um mesmo grupo de empresários que são donos, justamente, das empresas de planos de saúde e seguros que essas entidades vendem aos aposentados.
Em sua diretoria, a entidade já abrigou funcionários dessas empresas, um sócio, parentes, como pais e tios, e até mesmo uma mulher que trabalha para a família de um desses empresários. Parte dessas pessoas é humilde e vive em bairros da periferia de São Paulo.
O Metrópoles também mostrou que esses empresários ostentam vida de luxo e relações com políticos e lobistas bem relacionados no Congresso Nacional. O grupo deu, inclusive, procuração para que um deles, apelidado de “Careca do INSS”, atuasse em nome da associação.
Na manhã dessa terça-feira (16/7), policiais civis compareceram à sede da Ambec, em um edifício na Vila Olímpia, na zona sul de São Paulo, e apreenderam caixas de documentos e computadores. A suspeita é que a entidade tenha cometido o crime de estelionato contra uma grande quantidade de aposentados, segundo apurou o Metrópoles.
A Polícia Civil e o Grupo de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público de São Paulo (MPSP), investigam um grande esquema de filiações fraudulentas de aposentados à entidade com o objetivo de descontar mensalidades diretamente na folha de pagamento do INSS.
Como revelou o Metrópoles, além da Ambec, outras entidades fazem parte da farra do INSS. No período entre 2023 e 2024, o número de filiados a essas entidades explodiu, assim como o faturamento mensal, que saltou de R$ 85 milhões, no início de 2023, para R$ 250 milhões.
Após revelado o esquema, investigações foram abertas e, na última semana, o escândalo culminou com a queda do diretor de benefícios do INSS, André Fidelis, exonerado do cargo. Ele era o responsável pelos acordos de cooperação do órgão com essas associações.
Em sua defesa, a Ambec tem afirmado que não efetua descontos indevidos e que prestou esclarecimentos à Polícia Civil. A associação tem afirmado que não há empresários laranjas em suas diretorias e que é independente das empresas cujos funcionários e parentes aparecem em seus quadros.