“Eu posso me denominar um treinador sem memória. Não tenho museu em casa, não tenho lugar para memórias. Gosto de apagar e ir para o próximo. E os jogadores que quiserem vir comigo vão entender que eu sou agradecido, que há gratidão pelo que aconteceu até agora, mas ficou para trás”.
Com essa declaração, Filipe Luís mostrou que a fome por mais títulos continua insaciável. E não são poucos em seu currículo rubro-negro. Foi campeão 10 vezes como jogador e, neste domingo, após vitória marcante sobre o Atlético-MG em Belo Horizonte, deu sua primeira volta olímpica como treinador.

Filipe Luís em Atlético-MG x Flamengo — Foto: REUTERS/Cris Mattos
As palavras soam também como um incentivo ao grupo de atletas, e elas têm muito valor. Mas Filipe Luís terá que refrescar, sim, sua memória e revisitar essa conquista. Ela é muito marcante e poderá servir de exemplo para momentos de pouca inspiração e de dificuldades.
Filipe disse que não herdou um caos e agradeceu algumas vezes a Tite em suas entrevistas coletivas, porém o trabalho dele é muito autoral e transformador. Ele devolveu o Flamengo ao seu DNA: disse que ia correr riscos, atacar sempre com três na área, e o fez.
A transformação
Fiel às suas convicções, Filipe Luís avisou que deixaria jogadores bravos, e é possível que isso tenha acontecido. Titulares com Tite, Varela e Fabrício Bruno foram sacados no primeiro jogo. Se Fabrício eventualmente tenha ficado chateado, é compreensível. Jogava muito bem e vinha sendo convocado pela seleção brasileira.
A questão é que a entrada de Léo Ortiz foi muito certeira, e o Flamengo, além de um bom defensor, ganhou um construtor de jogo. Na direita, outra mexida fundamental: Wesley passou a viver seu melhor momento como profissional a partir da chegada de Filipe, e a parceria com Gerson tem rendido em jogos em que o Flamengo ataca ou é atacado.
Além disso, apostou no desacreditado Gabigol, que decidiu a Copa do Brasil no primeiro jogo.
DNA
Na estreia, contra o Corinthians, o placar foi de 1 a 0, mas a atuação foi para mais. Com 19 finalizações, o time poderia ter matado a semifinal da Copa do Brasil ali. O time perdeu inúmeras chances, e os paulistas saíram do Maracanã no lucro.
“Ganhar, ganhar e ganhar”
No vídeo de bastidores divulgado pelo Flamengo depois da vitória por 2 a 0 sobre o Bahia, Filipe Luís foi flagrado repetindo o verbo ganhar 10 vezes na preleção.
Pois ele tem conseguido fazer valer seu mantra. Em apenas nove partidas, venceu seis, empatou duas e perdeu apenas uma.
Em todas, ele jogou para ganhar. Na única derrota, para o Fluminense, o Flamengo teve incrível volume no primeiro tempo, mas a entrada de uma peça tricolor, o colombiano Jhon Arias, acabou ajudando o Flu a ser efetivo, coisa que o Fla não foi.

Plata comemora gol com os companheiros — Foto: Cris Mattos/Reuters
Atacou também demais o Internacional no Beira-Rio e esteve perto de ganhar. Cedeu o empate no fim porque continuou buscando o ataque, e o erro de Evertton Araújo é um exemplo claro disso: o garoto conduzia a bola em direção à área adversária, mas foi fominha.
Sobre erros crassos individuais, aliás, Filipe conviveu com esse e com um de Léo Ortiz na primeira partida da final, contudo evitou expor o pupilos. Tratou de citar lances de outros atletas que não terminaram em gol para absolvê-los. Os dois, aliás, fizeram bons jogos.

Flamengo ergue taça de campeão da Copa do Brasil após vitória contra o Atlético-MG — Foto: Cris Mattos/Reuters
Variação de jogo e prudência quando necessário
Filipe Luís utilizou o esquema com três zagueiros duas vezes pelo Flamengo. A primeira foi circunstancial, na partida de volta da semifinal com o Corinthians. Torcedores, analistas e até o autor desse texto estranharam quando Filipe, ao ver Bruno Henrique expulso aos 27 minutos, optou por Fabrício Bruno no lugar de Gabigol. Ele estava certo. Preencheu a frente da área e ao mesmo tempo tirou a amplitude dos paulistas, que abusavam no jogo de cruzamentos pelas pontas.

Plata comemora gol do Flamengo — Foto: Cris Mattos/Reuters
O jogo do penta e as cartadas de mestre
Filipe Luís estava na dúvida entre começar com Fabrício Bruno num 3-5-2, ou jogar no 4-4-2 (ou um 4-2-3-1 dependendo da ótica de quem vê). Preferiu a segunda opção e teve dificuldades.
O Galo teve mais volume, porém as principais chances foram do Flamengo. Gerson, Arrascaeta e Evertton Araújo estiveram perto de marcar. Atrás, Rossi quase entregou para Paulinho ao dificultar num passe curto errado para Pulgar, mas o pior não aconteceu.
Rossi, aliás, defendera bem um chute de Hulk, tanto ao espalmar quanto ao de atirar de carrinho para afastar o perigo.
Mas a etapa deixou algo claro: com o Galo muito exposto, o Flamengo precisava de velocidade. Filipe leu bem e, no intervalo, sacou Gabigol e colocou Bruno Henrique.
O Flamengo ainda levou alguma pressão do Galo, mas Bruno Henrique entrou como uma flecha. Esteve perto de marcar duas vezes em duas escapadas pela esquerda.

Filipe Luís em Atlético-MG x Flamengo — Foto: REUTERS/Cris Mattos
As coisas ficaram ainda melhores quando Fabrício Bruno entrou no lugar de Arrascaeta. O Flamengo protegeu seus lados, e Fabrício entrou bem demais.
E o reforço do sistema defensivo liberou Wesley, que puxou dois contra-ataques desperdiçados inacreditavelmente pelo Flamengo. Em um deles, Michael perdeu por puro cansaço e saiu logo depois.
Estrela e compromisso com o DNA
Se foi mais conservador na escalação inicial ao não repetir o 4-3-3 do Maracanã, Filipe manteve-se fiel ao compromisso de atacar.
No primeiro tempo, foram apenas seis finalizações. No segundo, apesar de ter em mãos o empate que lhe bastava, não abdicou do ataque. Foram 12 finalizações na etapa, e uma infinidade de gols perdidos.
A finalização mais importante do jogo veio para mostrar que, além de um técnico muito promissor, Filipe tem estrela. Não, não foi sorte. O homem a entrar era Plata, mas tinha que ser logo ele a fazer o gol do título? E ainda mais um golaço.
Filipe Luís em Atlético-MG x Flamengo — Foto: Gilvan de Souza / CRF
Pois foi assim: a jogada teve como protagonistas Bruno Henrique, que mudou o jogo, e Plata, o escolhido por BH para decretar o penta.
Com um passe de trivela, Bruno acionou o equatoriano, que também deu lindo drible e finalizou com o pé menos forte lindamente. Um golaço de campeão. De pentacampeão.
Nos acréscimos, o Flamengo ainda teve mais chances, com David Luiz e Wesley, mas o 1 a 0 teve sabor de goleada.
Ele mesmo não queria “ganhar, ganhar e ganhar”?. Pois ele ganhou o jogo e ganhou o campeonato.